25 de janeiro de 2017

A poesia de Maria Carolina de Bonis.

Maria Carolina De Bonis, São Paulo, nasceu em 20 de dezembro de 1982, estudou literatura e escreve para mudar os caminhos por onde passa ou perder-se em alguns deles. Publicou o livro de poesias “Passos ao redor do teu canto” pela Editora Patuá na Coleção Patuscada, projeto premiado com o ProAC (2015).

 

Entre o som e o silêncio

Palabras exigen silencio y espacios abandonados
Alejandra Pizarnik

Tu vinhas sem um nome e fizestes
Da fábula um berço
Caminho, entre o som e o silêncio.
Vinhas sem nome de um alfabeto ágrafo
Suspenso em um invólucro de nuvens.
Quando fizestes do corpo a nudez
Negastes a luz para fechar os olhos
E ver como as nuvens ficam nuas
Magenta, madureza, música de pisares
O céu. Mas ao vê-la, luz interior,
Tudo isso sabia de cor
Como em ti a entrega de um corpo.

 

*

 

Adentro a casa

A memória é um sino original
Emily Dickinson

Diria a casa com suas memórias
Duas pontas de uma única teia enevolada
Perguntaria a esmo o mesmo
Feito clara a dúvida renascida
Dentre o túnel azul
O tingir derramado
De intangível
O céu

Perguntaria se as casas possuem uma memória anterior
Se os olhos do cão são respostas para a sinceridade
Sua pronúncia enevolada me respondendo com o olhar
Como uma prece ao silêncio
Ao soar o distinguir de uma estrutura
Na ilusão do pó

Adentro a casa em tinta branca
Não em tempos de reformas
Mas na cor preferível
Para me reconhecer no grão
Pousado daqui aos objetos de luz
Invenções sutis do instante fotográfico
Em que saio da margem rumo ao afogamento
Somente pela memória de outros espaços
Poderia deslocar o esquecer-me para saber
Do que abre em azul as pupilas
Das coisas e me entregar por inteira
A alma de seus entes submersos.

 

*

 

Redoma circular

Nessa redoma circular
Sou cíclica aos girassóis de Van Gogh.
Despeço desse corpo vegetal
Quando as primeiras letras,
Essa mania de embaralhar as frases,
Voltearem iniciáticas
Para nossas primeiras paisagens
Rupestres. Como um canto sorve o mar
Poderia ser um começo
Mas aguardei o suspiro mais alto
As luzes pelas avenidas de um céu
Espelhar, enquanto esfumaça confesso
A história de um filme sem legendas.
Outra vez, os passos fora do dia
A fábula enterrada no silêncio
Tudo, vertigem de névoas destoadas.
Chamaria por qualquer cura
Asas de vento
Conchas fugas ou minerais que
Cicatrizam as escavações do sol
Em feridas de ouro brilhante.

 

*

 

A origem ágrafa

Desterrar a origem ágrafa
A ecoar dentro do berço
De teu nascimento, como em renúncia
Curva-te a rasgarmos
Fluída cada sílaba do mar
Invadindo as formas finas
De caligrafias.
Depois, navegamos
Nesses feixes onde o tempo
Divide e corta
A tarde daqui a entrada
Da primitiva casa
As casas, dentro delas,
Um corpo que ainda fala.
O silêncio das sereias
Seria anterior ao traço da paisagem
Interna? A ausência de som,
As casas, dentro delas,
Um corpo que ainda fala:
Cada sílaba invadida de água
Cada passo submerso sem direção
Ainda que fragmentária
Desfaz-se o som com que ocuparia
Meu coração. Sons do passado,
Nossos e ao redor.
Mas à entrada da primitiva casa
Cada passo, cada pássaro,
Derrama a ampulheta ao tempo:
Chega a hora de nos tornarmos eternos
Como se fosse estranho envelhecermos
Enquanto estou só, as casas possuem
Um exílio anterior.
Enquanto da janela
Acompanho-me de um quadro antigo
Desviado do alvo do tempo
No fundo há uma lágrima, mas se
Aproximas a vê-la dentro, é a criança,
A infância do menino que segue
Caminhando a história para trás.
Caminho de costas quando
Os desenhos contornam minhas bordas.
Os pássaros regressam. Anoitece,
Sobre os lírios de um céu
Apaga o sol outra estação
Nas primaveras noturnas das florestas
As plantas de outra sexualidade
Adormecem qualquer estação de origem
E em tempo (invisíveis)
Suas raízes crescem aos céus.