18 de janeiro de 2017

A poesia de Paulo Emílio Azevedo

Paulo Emílio Azevedo Professor, Doutor pela PUC-RJ em Ciências Sociais, escritor, poeta e coreógrafo. Recebeu diversos prêmios, entre eles “Rumos Educação, Cultura e Arte” (2008/10) pelo Instituto Itaú Cultural e “Nada sobre nós sem nós” (2011-12) no âmbito da Escola Brasil/Ministério da Cultura para publicação do livro “Notas sobre outros corpos possíveis” (2014) – com este concorreu a final do Prêmio Rio Literário (2015) na categoria “Ensaio”. Com a atual publicação “O amor não nasce em muros” (2016) completa dez livros escritos, sendo o nono publicado. Entre os demais, destacam-se “Meninos que não criam permanecem no C.R.I.A.M. - histórias sobre adolescentes em conflito com a lei” (2008); “Palavra projétil, poesias além da escrita” (2013) e “Ensaios de um poeta só” (2015). Sendo um dos introdutores das práticas do poetry slam no Estado do Rio de Janeiro, vem desenvolvendo uma série de ações no campo da poesia falada e performance. É idealizador do sarau “Tagarela, o maior slam do mundo”, professor da oficina “Palavra Projétil” e autor do projeto “Biblioteca de griots”, os quais receberam contemplação em editais da Secretaria Municipal de Cultura do Rio. Coordena a Rede de Criação e Protagonismos Cia Gente e a Fundação PAz. No ano de 2016 foi um dos escritores convidados pela FLIP, Paraty/RJ e da Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes/RJ. Em sua principal pesquisa na Literatura está a criação do gênero/método Reestruturalismo.

 

Poema sobre cabras e budas

Eu já vi muita coisa cega, acredite!
Vi gente morar em cobertura, e
também na mesma rua, debaixo da marquise, vi o louco sem cobertor no inverno. Ele não sentia mais frio nem calor

Vi coração ser costurado por fio de cobre, e
cobra todo dia eu vejo umas dez, pelo menos,
na febre que testemunha o
ódio

Vi gente zangada, acredite!
Vi também gente doando-se sem limites
Esses são sublimes, superiores, e nos cobrem de esperança quando o sorriso se esconde por debaixo da língua

É, mas do outro lado da rua do espírito,
quando o bicho pega pra valer, e
a urbe espalha a semente do lucro
há quem cubra o outro de porrada sem dó.

Por pedaços de marca inglesa e batata frita,
eu já vi muita gente cega guiar vidente, e
eu já vi dente de moça bonita beijar boca podre por
pedra que mata rindo

Faltam ver duas coisas:
cabra-cega brincar de pique-esconde
e
Buda rezar para emagrecer

 

*

Palavra rasgada encontrada na estrada

Escravos não escrevem
ex cravos não são rosas sem par
escritas patifes não me subscrevem
escrivães não são vãos,
mas linhas cansadas da reta

escravos não escrevem porque
cortaram-lhe as mãos
mas, inscrevem suas mãos escritas
na liberdade a ser lida no tempo

palavra rasgada encontrada na estrada
percurso soneto imperfeito da vida
metragem de um corpo enjaulado no tronco
viagem sonhada embalada no peito

água pedida por boca gritando
água gritando por pedido da boca
água da boca pedida gritando
silêncio,
a criança escreveu um livro sem celas

 

*

 

Poema LVIII

Uma moto sem motor nem modos se aproxima da casa de Alberto
Parece cheia de mofo nas molas
Seu combustível mela
Nas costas, as sacolas parecem malas
A moto parece uma mula
A mula carrega na moto uma meta
Esconde na mata um mito
Socorre entre muitos um mistério
Proclama o medo e a mudez
Um dia confere a muda,
quando a droga cai a mula tomba
Alberto é o monte de luz
A moto é a morte no breu