8 de dezembro de 2016

Pais e Filhos

Quando o escritor norte-americano Philip Roth anunciou que nunca mais escreveria livros após publicar Nêmesis, em 2010, ele disse em uma entrevista: “Eu queria ver se havia desperdiçado meu tempo escrevendo. E eu achei que foi mais ou menos um sucesso. No final de sua vida, o boxeador Joe Louis disse: ‘Eu fiz o melhor que eu pude com o que eu tinha’. É exatamente o que eu diria do meu trabalho: Eu fiz o melhor que eu podia com o que eu tinha”.

Quando duas pessoas se juntam com o intuito de viverem juntas e acham que o passo correto a ser dado, seja mais lá adiante ou seja pouco tempo depois de estarem coabitando, é ter um filho, penso que o certo a ser feito é refletirem antes: é isso mesmo que a gente quer? Se não for, que não o faça.

É preciso pesar todos os prós e os contras da paternidade e da maternidade, porque não só não é tarefa simples: é tarefa para uma vida inteira. Mesmo quando você deixa de ter obrigações jurídicas com um filho, as obrigações morais continuam, e perduram ao longo dos tempos: não existe ex-pai nem ex-mãe, assim como não existe ex-filho (que não pediu pra nascer e ser filho de quem quer que seja).

Não se deve exigir perfeição de ninguém, claro. Mas, tal como o boxeador que Philip Roth citou na entrevista, é preciso fazer o melhor possível com o que se tem. Se existe uma cabeça pensante por trás dos pais, se existem possibilidades para além das óbvias – que, no caso, seria colocar uma criança no mundo e cuidar dela para que se mantenha viva – e tais possibilidades existem, como, por exemplo, não ter o bebê, se você não está disposto a ser pai ou mãe, e sim apenas de ser um mero genitor, então, que essas possibilidades se cumpram, porque cometer erros "pensando em acertar" não exime ninguém de suas culpas. E tempo perdido não volta, nunca. Se você perder a oportunidade de cultivar a amizade e o amor do seu filho ou filha, durante os seus anos de crescimento, já era. Forçar uma amizade e um amor à base do "pai e mãe só tem um" é ridículo. Genitor e genitora sim, só se tem um, porque filhos só são gerados através da união deles. Mas pai e mãe é um nível completamente diferente. Exige muito mais do que colocar um filho no mundo. E muita gente nunca chega a saber realmente o que significa ter um pai ou mãe de verdade. Se fazer de vítima para quem está ao seu redor, sejam amigos ou familiares, é o cúmulo da hipocrisia e da manipulação, porque quem ouve só fica sabendo de um dos lados da história. E vai ser preciso arcar com as consequências das suas atitudes (ou falta delas) e compreender que amor se cultiva, não se recebe por piedade. As pessoas devem cobrar daqueles que irresponsavelmente colocaram filhos no mundo sem saber a real dimensão do que é paternidade e maternidade - e não daqueles que, sem opção, viveram sob as garras de quem apenas os jogou na vida.

É muito comum a sociedade achar que filhos têm dívida moral com seus pais, o que é um erro. Filho nenhum tem dívida com pai e mãe, especialmente porque quem está ao redor nunca saberá ao certo como foi a criação daquele ser humano, o quanto de afeto ela recebeu ou deixou de receber, o que se passava dentro de uma casa onde só aquelas pessoas, com suas alegrias e tristezas, tinham acesso. Claro que isso vai muito da gigantesca culpa católica que nos é imposta por vivermos num país onde a religião e seus dogmas ainda imperam, ou das religiões como um todo. Que ninguém se engane, no entanto: preceitos religiosos não podem figurar acima dos preceitos humanos, e quando se trata de relações humanas, não se pode esperar colher o que não se plantou.

Se você teve a sorte de ter bons pais, que o ajudaram a crescer como ser humano, a gratidão se mostrará de forma evidente, ato contínuo a uma relação construída ao longo de anos. Se, por outro lado, o lar era caótico, onde os filhos se viam reféns de uma família desestruturada, por que razão estes filhos devem se sentir obrigados a carregar os pais pelo resto da vida? Refiro-me aqui a dar uma atenção, um falso amor e um afeto que nunca existiram e nem tem mais possibilidade alguma de existir, porque as pontes que deveriam ter sido construídas, ainda na infância, para uni-los, nunca chegaram a ter suas obras concluídas. Exigir um comportamento fajuto, portanto, um comportamento hipócrita, dos filhos é um fardo pesado demais, que acaba por tornar todos infelizes.

Ser pai e ser mãe deveria ser fruto de um processo mediado por uma longa reflexão, nunca pela cobrança de familiares, amigos, da sociedade, o que pode levar ao pai ou mãe em potencial a achar que tem uma vontade que na verdade não tem. Isso vem mudando, neste século XXI, e é um processo que será concluído em algum momento nas próximas décadas. Mas que sem dúvida já chegará tardiamente, com um prejuízo humano repleto de consequências.