24 de novembro de 2016

Finados finados

No Dia de Finados chove. Escuto isso desde criança, possivelmente. Durante algum tempo acreditei, místico, em algo como choro celeste, tristeza divina. Tempos depois construí teorias sobre a incidência de chuva em tal data. Hoje, não sei ao certo o motivo, se místico ou com explicações racionais. Posso ter aceitado a impossibilidade da certeza. Não sei...

De todo modo, nesse ano não lembro de ter visto chuva no Dia de Finados. Até houve manhã meio cinzenta, céu esfumaçado, uma tristeza de alegrar os olhos. Aos poucos o céu abriu, um vizinho fez churrasco e deve ter assado os meus ouvidos com uma música insuportável. Muitos podem ter ido à piscina ao invés de chegarem ao cemitério. De tardinha e de noite, o clima ficou quem sabe agradável, tranquilo. Bom para um vinho seco e um queijo, ou um doce passeio andando pela praça.

Acontece que não lembro de chuva. Os túmulos, entre o pôr do sol e o nascer da noite, não receberam uma chuva fina e fraca sobre as flores.

E me pego pensando, agora de madrugada, talvez o motivo de não ter caído lágrima do céu, talvez o motivo das minhas teorias terem falhado. A lua minguante quase nova está lá fora e eu aqui, na biblioteca. Fico com a cabeça apoiada na mão, o cotovelo sobre mesa. Fico pensando porque a lua apareceu, porque as nuvens vermelhas a deixaram nua, sem nenhum pudor nesses Finados finados.

Se aceito de novo as explicações místicas, penso em sinais dos tempos, em sinais divinos; se me apego ao racional, reflito sobre as mudanças ambientais, alterações climáticas. Mas aqui dentro da biblioteca, escrevendo de madrugada, com livros sobre a mesa... Platão e Xenofonte, este sobre Pirro, algum Fernando Pessoa... Não sei...