27 de outubro de 2016

Outubro

O que mais sou eu mesmo, hoje, não é o que me fiz, nem o que fizeram comigo, talvez o que aconteceu com ela (e os vazios no feminino). Como as primeiras conversas de despedida que tivemos, durante a noite, eu deitado na cama, quando ainda não sabia que já era de despedida e que seriam de despedida todas as conversas depois dessa (e a ausência de todos os aniversários, a música obrigatória e muda do dia das mães na escola, a não interpretação sobre esse texto). Outra noite, deitada na cama, sem conseguir levantar, me ensinava ainda um pouco sobre amar as diferenças (e as atenções que não me deu sempre que estive de cama, as impossíveis ligações para matar a saudade de poder matar a saudade). E foram de despedida as anotações em um livro e a criação de um manuscrito para que eu lesse depois (muitas vezes, infinitas vezes, agora que a possibilidade, não sei se ficcional, do infinito conforta a ausência). Como também foi infinita a noite em que descobri o câncer, e a insônia que tive, sem querer dizer para ninguém da insônia e de todas as outras insônias, porque não morrer junto virou uma vigília de corpo ruim (e a morte nunca me pareceu uma alternativa descabida). O cabelo se amontoando nos cantos dos quartos, enquanto o remédio, sem efeito, talvez se amontoasse na mama (e as casas onde morei depois não receberam a visita, e as salas onde estudei depois não ganharam a conversa do jantar para dizer como foi o dia, minha cabeça raspada de vestibular nunca foi só de vestibular). O gosto de bala prata de menta e eucalipto para tirar o gosto da boca (e essa boca sem gosto de todos os almoços que não fez). Os últimos momentos que não vivi, o túmulo que não vi, o enterro em que não fui, a lembrança vazia sem saber para onde reclinar o luto dando essa vontade de reclinar ao vazio sem fim (