7 de setembro de 2016

A poesia de Ramon Diego

Ramon Diego Câmara Rocha é mestrando em estudos literários pela UFS e reside na cidade de Nossa Senhora da Glória, no estado de Sergipe. Por duas vezes consecutivas participou das antologias TOC140 – Poesia no Twitter, organizado pela FLIPORTO. Em 2012 lançou seu primeiro livro de poesia, intitulado “Viagem rasa”. Também teve parte de seus poemas publicados em revistas como a Cumbuca, a revista Blecaute, a revista Mallarmargens, a revista Germina, entre outros.

               

 VIA LÁCTEA

Há um gato no avesso da noite.
Me incorporo ao bigode
de estrelas
que compõe
o seu rastro insone.

Seu suspiro
é um pesar inquieto
como a cauda
de um cometa
em chamas.

Há um gato no avesso da noite.
Seu miado revela a malícia
dos que, há muito,
não dormem, nem comem,
sob a pedagogia do corpo.

Nos seus olhos
dois sóis se equilibram
farejam e se impacientam,
aos prazeres da sombra
no húmus.

Há um gato no avesso da noite.
Espelhado na luz que o incendeia,
a tigela em que ele reflete,
constitui a sua via láctea.

 

*

 

ASCENDÊNCIA

Nasci ascendente em aquário,
do lado em que a lua
é mais funda;
nasci ascendente
em desastre,
do verso que vibra
nos dentes,
lavados em bicarbonato.

Das pás que cintilam
no asfalto,
no voo
d’árvore mutilada.

 

*

 

CANIBAL

O amor esfola

a gente
como quem entalha
um nome
na fibra dura
e zangada.

Amacia a fome
e os sentidos
a sovadas de paz
e desalinho.

O cutelo
de suas certezas
massacra
cada firmamento.

Seu calor,
por assim dizer,
pode ser o sal grosso
da alma.

 

*

 

HIROSHIMA, MON AMOUR

Uma hora me conserta,
no escuro.

Um poeta é só ferramentas
de corte e silêncio.

Uma metáfora
consome semanas
de voz e de luz.

Só o tempo
é reator do caos,
enquanto o homem
semeia destinos.