25 de julho de 2016

O monstro e seus vazios, de Wellington Souza

QUE EU É ESSE?

A poesia brasileira dos últimos anos tem produzido autores que exercem uma poética inventiva, resistente e muito significativa. Poesia que contesta a ideia blasé (que exprime completa indiferença pela novidade), alardeada por alguns de que vivemos um vazio cultural. Aos contestadores de plantão, saliento que estamos a nos referir à poesia contemporânea, e como tal, em construção. Mas afinal o que esperar de um poema? No mínimo que promova no leitor uma subversão emocional e mental próxima à que o autor sentiu ao escrevê-la. E, como estamos embotados pelo excesso de estímulos sensoriais vamos ficando insensíveis e indiferentes.

Exibindo omonstro_capa_front.pngExibindo omonstro_capa_front.pngWellington Souza escreveu o volume de poemas “O monstro e seus vazios”. Herdeiro de um certo desespero de geração, este autor se mostra empenhado em concatenar efeitos de sentido e relações de significação bastante frutíferas, nas quais se nota claramente o ímpeto de resistir à dissolução pós-moderna, respondendo consistentemente às dúvidas apresentadas à uma geração cada vez mais cônscia dos impasses do seu tempo. Não obstante a contenção e economia de meios de que se apropria para tanto, Wellington reverbera uma voz múltipla, intensa e de sutil carga metafórica que comunica e denuncia o profundo desconforto existencial e social que nos afeta. Em seus poemas estão elencados os transtornos que o (nos) assaltam: a consciência crítica sobre as misérias do cotidiano, as contradições entre a realidade e seu registro lírico, o amor e seus desencontros, os vazios existenciais e enfim, a problemática dessa vertigem de abismo em que nos metemos.

É com o que nos deparamos no pequeno volume de poemas (96p.) dos quais não podemos nos furtar de citar alguns de excepcional representatividade: CONSCISOS E AS REALIDADES / FINJO SER SORRISO / ME JARDINASTE / POETA NA CIDADE / SOBRE AS PEQUENAS IMPORTÂNCIAS / SAMPA E SOMBRAS e SEGUNDA-FEIRA.

Nas situações instáveis a poesia costuma se manifestar com vigor e é, onde também se revela o sentido de ligação com o contemporâneo. O artista/escritor contemporâneo é aquele que mantem, como o disse o filósofo italiano Giorgio Agamben, o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Infelizmente ainda estamos a braços com duas lutas terríveis: uma interior e outra exterior, uma para chegar à superação das velhas formas de vida e outra para não ser esmagado pela agressividade do outro. O mundo tem praticado a luta da agressividade dirigida contra o próximo e insistimos em permanecer num nível evolutivo que é a nossa própria condenação – pois bem sabemos quais as dores por que passamos. Nosso dilema persiste inabalável; almejar desesperadamente a felicidade, e, no entanto, condenados a um sofrimento do qual não é possível sair senão por esforço próprio. Que ninguém se iluda. Daí pululam “os monstros e seus vazios”, imersos num cansaço absurdo de tudo (cansaço é palavra recorrente na obra do autor).

É preciso fazer nascer um novo ser... Clarice Lispector sabia disto: “Quem nunca se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?” (In: Clarice Lispector: A hora da estrela). Wellington Souza intuiu pela mesma via e seu belo livro o atesta.

Em tempo: somente dois versos do poema Benditos.

“... benditos os que dizem na forma de poema
benditos os que são cumplices dos crimes diários
punidos à noite” (p. 88)

 

http://benfazeja.com.br/produto/o-monstro-e-seus-vazios-wellington-souza/

 

(*) Krishnamurti Góes dos Anjos. É escritor e pesquisador. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos e  Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas literárias no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho –Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.