20 de junho de 2016

A 'Voltagem' de Carla Andrade

A poesia brasileira começa, bem aos poucos, a ter o seu espaço entre os leitores, seja com resenhas feitas em blogs literários, seja quando um autor como Leminski ou Ana Cristina César têm os seus livros entre os mais vendidos nas listas mais cobiçadas do mercado literário.

Além disso, as pequenas editoras vêm contribuindo diretamente para a ampla produção publicada no Brasil, que também têm conseguido colocar alguns de seus títulos entre os finalistas de grandes prêmios, vejamos o exemplo da Patuá ou da Confraria do Vento, entre outras.

Na contramão, as livrarias continuam a dar um tratamento inferior ao gênero. A poesia tem ‘sorte’ de ainda termos a presença de algumas poucas estantes contendo uma seleção muito parca do que se é produzido no Brasil. Assim, um livro pequeno, com a costura à mostra, de uma finura quase milimétrica, como da autora mineira Carla Andrade, chamado Voltagem, dificilmente chamaria a nossa atenção.

 

O livro, que participa da coleção Megamíni, publicado pela Editora 7Letras, possui uma forte relação construída entre o eu e o outro. A voltagem da qual parece tratar a poeta parece ser a vibração que sentimos quando mantemos contato com algum sentimento.

Nas 24 páginas do livro, entre seus 13 poemas, nota-se que por trás da “mulher no espelho”, que surge no primeiro verso do primeiro poema, é quem conduz o fio eletrizante dos poemas. O amor surge, então, na poesia de Carla Andrade de maneira sutil, quase velada, mostrando que não é preciso se fundamentar em “versos clichês” para se falar das coisas bonitas da vida.

Quando em “Do espelho” o eu ali presente se mostra ao leitor, para tomar conhecimento da imagem que poderá passar através de sua imagem refletida, evidencia que o que vemos não é bem a realidade. Tudo poderá ser falo, imagético, tudo poderá ser desconhecido aos olhos, ao corpo.

A poesia de Carla Andrade então, parece ser construída de maneira casual, como se não se importasse com o que se tem a dizer. Mas ao fim do livro e durante ele, o que se vê é a poeta tratar a palavras como os tijolos usados por um pedreiro. Ela sabe quando usá-las, quando quebrá-las para se conseguir a sustentação do verso, da ideia, do poema.

Em “Lista de compras”, poderá se resumir a ideia central de Voltagem. A presença riscada várias vezes da palavra ‘você’ provavelmente faz menção ao objeto de desejo do eu presente em todo o livro. O que se deseja é o outro, mas ao mesmo tempo o desejo de se ter uma relação para ser um só pode acabar caindo num egoísmo fatal da solitude.

 

Você
Você
Nós
Você
Você
Eu.

(Poema “Lista de compras”)

 

O livro de Carla Andrade, Voltagem, ao contrário do que diz os versos de “O casamento”: “Os grãos de arroz/ espalhados no chão./ Não vão vingar.”, tem uma presença marcante em quem realiza a leitura. Ele vingará na memória. A potência condensada em seus versos faz com que nos atenhamos a uma nova leitura para que não deixemos de que a “Hecatombe de emoções” de lado.

Entre tantos livros de poesia em nosso país, o pequenino livro de Andrade, que se perderia nas estantes de uma livraria, ganha espaço entre as obras que devem ser lidas. Ele não será “a falta do canto do inseto” que deveríamos carregar. Será como os olhos que se fixam no espelho, na imagem criada refletida demorando-se “nas asas das lembranças”, como nos diz em “Despedida”.