26 de agosto de 2015

Entrevista com Fabiano Curi (Editora Carambaia)

No começo do ano, uma nova editora surgiu: Carambaia. O intuito? Publicar obras que andam esquecidas do público e obras que nunca tiveram sua versão vertida para o português. A tradução é o que move a editora junto ao design único de cada obra. Pensando em trazer à tona livros que nunca tiveram edição no Brasil, a Carambaia vem para ampliar o ramo das traduções que, a cada ano, cresce no mercado editorial brasileiro. Os preços dos seus livros variam entre R$ 69,90 e R$ 89,90, isso por conta do alto custo que os livros vêm a ter devido a impressão de mil exemplares junto às traduções que são realizadas, sem conta com o design das edições, que sempre são pensadas com exclusividade para cada obra. Por isso, entrei em contato com o editor Fabiano Curi para uma breve conversa sobre a editora.

Fabiano, a Carambaia aparece em um momento em que as editoras independentes começam a ter cada vez mais espaço no mercado editorial. Qual a proposta da editora para se diferenciar entre tantas editoras que estão surgindo?

Não gosto do termo "editora independente". Não diz muita coisa. Somos apenas uma editora pequena que trabalha voltada para um público específico. A gente nunca teve em mente uma diferenciação ou algo inovador, apenas queríamos publicar os livros que gostamos de ler com o tipo de edição que apreciamos. Assim, a gente programa nossa produção com base nesse público que é pequeno, mas que compra muitos livros e que se identifica com algumas editoras.

A proposta da Carambaia é editar clássicos. Alguns editores, de grandes editoras, afirmam que editar livros clássicos dá dinheiro, isso é uma verdade?

Bem, a gente não publica clássicos. Dos cinco livros que temos no catálogo, temos o Proust que é muito conhecido, mas o clássico dele é o Em busca do tempo perdido, o West, que é pouco conhecido, e três que o pessoal nunca ouviu falar. Até a Deledda, prêmio Nobel, não teve quase nada publicado no Brasil. Acredito que livros de autores conhecidos mortos há muito tempo vendam, pois a pessoa compra sabendo que a história já conferiu àquela obra um "selo de garantia". Assim, continuarão vendendo daqui a cem anos. Tem gente dizendo que publicamos clássicos. Não é, de forma alguma, nossa orientação. Buscamos bons livros que estão esquecidos ou que são desconhecidos. Temos uma dúzia de livros em diferentes etapas de produção. Diria que apenas uns 5 são de autores conhecidos.

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Fabiano, você disse, em um vídeo disponível no site da Carambaia, que vocês visam aquele leitor tradicional. Mas o que a Carambaia tem que pode vir a conquistar os leitores que não são afeitos aos clássicos?

Estamos trabalhando com livros que não são voltados para o leitor eventual. Algumas obras são difíceis e exigem experiência de leitura. Ou seja, o sujeito que se interessa pelo nosso livro já leu bastante coisa, conhece autores, valoriza a tradução e a edição e gosta de revisitar autores e obras. É um público específico, muito exigente e mais velho. Pelos nossos levantamentos, quem compra nossos livros tem mais de 40 anos.

O valor dos livros e a venda exclusiva pela loja online da editora tem sido um problema para a venda das obras?

São opções com vantagens e desvantagens. A produção do nosso livro é muito cara. Contratamos excelentes tradutores, designers e revisores e pagamos acima do mercado. Enquanto a maioria das boas editoras faz 2 revisões, nós fazemos 4. Imprimimos nas melhores gráficas e nossa tiragem é pequena. Ou seja, pelas condições que as livrarias oferecem, nosso livro ficaria com um preço de capa absurdo. Aí optamos por usar o site. Evidentemente, temos o problema de não oferecer ao leitor a oportunidade de folhear o livro, mas não tem jeito. De qualquer modo, nesses poucos meses, estamos vendendo bem mais do que o esperado. Mesmo com o livro caro, pois, acredito, para o nosso público, vale pagar mais por uma edição boa. Recentemente, começamos a trabalhar com a Blooks, que não é uma grande rede, mas que tem um discurso afinado com o nosso. É uma livraria que busca edições originais, que valoriza novas editoras e que oferece condições melhores do que as das grandes redes.

 Como foi o processo de escolha das três primeiras obras lançadas pela editora?

A gente começou a trabalhar em janeiro de 2014 e só lançamos os primeiros livros em março de 2015. Poderíamos ter saído antes, mas quisemos segurar para não sair com apenas uma obra. Na verdade, não houve uma escolha estratégica de títulos, tanto que são autores desconhecidos. Apenas esses livros já estavam num processo mais adiantado de produção.

 Percebe-se que cada obra de vocês é única, no sentido em que o design dos livros são pesados com detalhes específicos, como a explicação que temos no site para o “Juncos ao vento”. Qual a razão para que o design dos livros tenham tanta importância quanto o conteúdo da obra em questão?

Se a nossa preocupação fosse apenas com o texto, o formato digital seria ótimo. Como o que desejamos oferecer é a experiência da leitura do livro em papel, faz muito mais sentido que a edição acompanhe a qualidade do texto. Evidentemente, as edições não agradam a todos. Cada um acha melhor um tipo de papel, um tipo de letra, um formato de capa. A gente tenta oferecer algo que seja confortável para a maioria. Não pensamos em edições ousadas. Nosso formato é convencional, mas não é banal. 

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O cronograma das 13 obras que deveriam ser lançadas este ano conseguirá ser alcançado? E se não, isso pode vir a ser um problema?

Não. A gente poderia lançar, mas resolvemos espaçar os lançamentos. Teremos mais quatro lançamentos até o final do ano (totalizando nove), entre eles uma caixa com duas obras, outra com três e um volume com três novelas. Para o ano que vem, pretendemos lançar entre 12 e 15 títulos. Desses, já temos oito em produção. O nosso processo é lento, pois preferimos aguardar e lançar do jeito que a gente quer do que apressar e acabar saindo com problemas.

Como você vê, no cenário atual, a importância de pequenas editoras, como a Carambaia, que se preocupam com a tradução?

A vantagem da pequena editora é a flexibilidade para se aproximar de seu leitor. Se falta capital e estrutura para grandes lançamentos e divulgação, elas têm de se virar para usar os canais de comunicação que temos disponíveis hoje em dia. Acho que ser uma editora pequena hoje é muito mais fácil do que há 30 anos. Sobre a tradução, não creio que ninguém queira lançar uma tradução ruim, seja a editora grande ou pequena. O problema está sempre no custo. Quem quiser lançar algo rápido e barato, vai acabar perdendo qualidade.

Sabemos que são vários os casos de traduções que são ‘tomadas’ por outras editoras, seja inventando tradutores, seja modificando uma coisa ou outra para não ser tida como igual. Essa é uma preocupação que a Carambaia tem consigo?

Não. Picaretagem tem em todo lado. A gente faz direito. Nossas traduções são sempre novas. Resumindo também o que já falei anteriormente, a gente quer lançar bons livros com qualidade. São obras que eu leio o original ou as provas e digo "Que baita livro! Que bom que estamos editando isso aqui." Se não for pra fazer assim, se for pra fazer mais ou menos ou na gambiarra, se for pra ficar cavando dinheiro público com qualquer porcaria ou tentando ludibriar o leitor, eu vou fazer outra coisa da vida.

Sabemos que, em breve, a tão esperada obra de João do Rio será lançada pela editora. Como tem sido o processo de produção editorial acerca da obra de um autor que ainda mercê maior destaque na cena literária do país? 

É um projeto antigo. Achamos que João do Rio merecia mais destaque na literatura nacional. A obra dele é enorme e diversa. A história da vida dele é incrível. Não vamos conseguir, evidentemente, resgatar tudo nesses volumes, mas acho que o leitor vai poder conhecer a abrangência e a qualidade dos textos dele.