25 de junho de 2015

Tarde - Leitura poética de "Ludismo", de Orides Fontela

Quando o poema Ludismo me foi entregue, após a sua leitura eu só consegui sorrir. Um amigo, retirando o livro marrom da prateleira, estendia a obra completa da poeta assim: "Toma, é tua cara!". Tendo-o em meus braços eu pude entender por qual motivo ele dizia aquilo. Seria ela uma possível porta de entrada para que eu começasse a brincar com as palavras, de buscar, quem sabe, sua origem, se é que existe apenas uma. Orides, então, se fazia em mim de uma maneira que eu jamais poderia imaginar. Ganharia-me através de seus heliantos e seu silêncio de pedra, mas, além disso, por mostrar que as palavras não são, de maneira alguma, o que achamos que elas podem ser, nem mesmo quando imaginamos dar-lhes significados totalmente diferentes.

Orides me mostrou que é necessário ter prazer em escrever, em sentir, em viver.

Apenas assim se pode ser possível Ser. Então, sejamos apenas.
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LUDISMO
Quebrar o brinquedo
é mais divertido.As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.
(in Poesia Reunia, 1969-1996, Cosac Naify, p. 18)