13 de outubro de 2014

Pianíssimo

Roda pião. Na mão do menino o giro soa. Aos céus o olhar ergue. Quente dia quente. Seus dedos escorregam enquanto escorre o caldo do cansaço. Salgado corre. No asfalto queima os pés descalços. Chamuscado pé chia. — Mais um trago moleque. Detrás do balcão tamborila seus dedos em dura madeira. Nota a nota toca sem saber que toca. Dança com o trago. Serpenteia entre os corpos. — Que lerdeza moleque. Em glissando a porta do bar desce. Escorrega para rua. Cai. Caminha no frio asfalto da noite. Fria noite fria. Na casa em flautato compassado toca a virtuosi panela de pressão. Feijão. Pão que com ferro sustenta os famintos. Negros dedos negros. Andejam suas teclas pretas na branca pia. Com os semitons na mão forma sobre papel de pão seu próprio piano humano. Inquietos salpicam seus dedos o branco sal no bife a crispar. Na preta chapa preta. Dorme em alvos lençóis o barroco anjo de madeira escura. Seus dedos vão noite adentro a tocar sem nunca conhecer o piano.

por Caio Russo