30 de julho de 2014

Entrevista com Dimas Carvalho

Durante os dias 29 e 30 de abril, o curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú, em Sobral, sediou o II Encontro Cearense de Literatura Fantástica. Durante o intervalo da manhã do dia 30, entrevistei o escritor e professor Dimas Carvalho. O autor já ganhou vários prêmios literários, dentre eles o Cidade de Recife e o Edital de Incentivo as Artes. Entre os livros publicados, podemos destacar Mínimo Plural, Marquipélago, Fábulas Perversase Uma Sombra no Espelho. A entrevista, gravada em áudio, foi bastante animada e extensa, o autor conversou comigo sobre os seus livros e sobre a sua vida pessoal, que agora trago à tona para todos vocês.

Léo P – Como começou sua busca literária? As primeiras leituras, o primeiro contato literário...

Dimas Carvalho – Léo, eu comecei bem cedo, na infância mesmo, eu tive a sorte, a felicidade em nascer em uma família em que todo mundo gostava de ler, meu pai não tinha muita instrução, foi armador de pesca, foi comerciante, mas ele sempre gostou de ler e minha mãe era professora. Acima de tudo, meu avô materno, Nicodemos Araújo, era escritor, nunca saiu do Acaraú, mas construiu uma carreira literária, faleceu com 94 anos e publicou 28 livros, diversos subgêneros: poesia, genealogia, dramaturgia, história e foi jornalista também, foi redator chefe do jornal O Acaraú.

Bem, a casa dele está fechada hoje em dia porque como eu já disse ele já faleceu, minha avó também, a esposa dele. Minha avó faleceu agora em 2010, com quase 100 anos. Mas a casa dele fica próxima à matriz e a minha também, elas são confrontantes, tem uma praça no meio e eu fui neto único durante muito tempo. Ele só teve uma filha e minha mãe só teve dois filhos, minha irmã só nasceu muito depois de mim. Portanto, neto único e que foi quase criado só pelos avós, era uma coisa maravilhosa, era meu avô-hai (avô-pai). Meu pai morreu muito cedo, ataque cardíaco, e meu avô tornou-se realmente meu pai pra todos os efeitos. Mas acima de tudo, o seu Nicodemos, como era chamado na região, foi também o meu pai-espiritual-cultural porque desde criança eu saía da minha casa e ia pra casa dele, ele ficava lá escritório dele, que ele tinha, com a maquininha de datilografia, uma Hamilton, parece que eu tô vendo, cercado de estantes antigas abarrotadas de livros e ele sempre ou escrevendo ou lendo ou datilografando. E desde eu criança, ele me dava muitos livros de presente: histórias de fada, contos infantis, eu li todo o Monteiro Lobato para crianças, eu tive a felicidade de ler e reler Sítio do Pica-pau Amarelo todinho que ele me deu, e ele tinha na biblioteca dele muita coisa pra criança, como A Ilha do Tesouro de Stevenson, A Liga do Pimpinela Escarlate, eu adorava essa série de livros. Tinha um livro maravilhoso e que infelizmente eu queria ter guardado esse livro, que é um livro de contos de fadas ilustrado e que eu li e reli durante muitos anos chamado o Reino das Maravilhas e lia também Contos Árabes: As mil e uma noites...

Bom, então eu vim para as letras por influência principalmente dessa pessoa. Desde criança, eu via o meu destino voltado para as letras, eu viveria como professor de literatura de redação e português, como eu fui por muito tempo antes de vir pra universidade aqui (Universidade Estadual Vale do Acaraú), onde leciono Literatura Portuguesa e Teoria da Literatura. Aspirei, eu era muito ingênuo muito tolo mas jovem, Santo Agostino diz "piedade para todos os pecados, principalmente os pecados cometidos pela juventude", então eu tinha a ingenuidade de ser escritor, eu achava bonito e acalentei um projeto literário. Depois a gente cresce e vê que isso é muito difícil, porque você tem que ter muito talento e ter muita perseverança porque as dificuldades são enormes e o Brasil é um país que não lê, não compra livro e isso quando vem pro Nordeste piora muito, no Sul, eu estive agora em Santa Catarina, lá o nível é outro, lá o pessoal até que lê, mas aqui, no Nordeste, a coisa é terrível, no interior do Nordeste piora mais ainda. Acho que a pergunta foi essa né, como eu fui pra literatura. O começo foi esse. E você sabe que é uma estrada sem volta, você fica encantado. A gente entra nesse mundo e não quer mais sair dele. Por isso continuo nele até hoje.

Léo P – Nós, que fomos seus alunos, temos curiosidade em saber como foi a sua vida acadêmica. Conta um pouco sobre isso.

Dimas Carvalho – Eu passei a minha infância e adolescência no Acaraú e lá eu entrei para o grêmio do colégio que eu estudava, que também fica próximo à Igreja da Matriz, e eu não gosto de andar muito por lá porque me dá uma saudade muito grande, eu passo anos e anos sem entrar no colégio que estudei, eu evito passar por esse colégio, passei 12 anos estudando lá, ou seja, uma vida! Eu tenho muitas lembranças boas de lá. Meu “umbigo” está enterrado naquela casa em que eu moro até hoje. Mas aí, no colégio, eu entrei para o grêmio e durante 5 anos pertenci ao grêmio e, claro, sempre na função de bibliotecário.

Era uma biblioteca muito boa, maravilhosa, eu estudava a tarde e passava a manhã nessa biblioteca e as pessoas não iam pedir livros, e eu ficava lá lendo. E tinha coisa muito boa naquela biblioteca. Depois eu fui fazer o segundo gral em Fortaleza e fui para outro colégio religioso o Colégio Cearense Marista, que na época era o colégio de ponta do Ceará, o melhor, era o que tinha os melhores professores, o que aprovava mais gente no ITA e no vestibular, enfim nos grandes vestibulares do país. E tinha um concurso pra você entrar, as vagas eram restritas e nem todo mundo podia entrar no Cearense, apesar de ser pago e muito caro. Lá eu fiz o segundo gral, que hoje é o ensino médio, e evidentemente quando fui fazer o vestibular optei por Letras na Estadual e na Federal. Passei em ambas, em primeiro lugar, e escolhi a Federal. Optei pela Federal porque eu sabia que eu ia conhecer pessoas ligadas a literatura de Fortaleza e que eram consideradas os melhores do estado, e também porque esses caras se correspondiam com meu avô.

Quando eles lançavam algum livro, eles enviam pra casa do meu avô em Acaraú, como também o meu avô enviava seus livros para eles. Meu avô nunca saiu do Acaraú, mas teve contato com, por exemplo, Leonardo Mota, mas isso há muito tempo. Meu avô era muito tímido e extremamente humilde também, e tanto que a UVA nos 90 anos de meu avô, deu o título de honoris causa pra ele, ele dise que não ia receber em Sobral, então a UVA se deslocou pra Acaraú e ele não foi receber, se escondeu, no sítio da irmã dele em Bela Cruz, e foi eu quem o representou. Então, ele era um cara muito tímido e retraído. Então ele não conhecia pessoalmente muitos dos que se correspondiam com ele. Mas se conheciam de nome, tanto que o Artur Eduardo Benevides, que era professor da Federal, o Príncipe dos Poetas Cearenses, organiza uma antologia com poemas sobre Fortaleza, tem um poema do meu avô. O meu avô era membro da Academia Cearense de Letras, membro correspondente, eu acho que ele nunca pisou na Academia. Ele também membro da Academia Sobralense de Letras, essa ele era membro mesmo apesar de não morar em Sobral, mas era conhecido pelos membros intelectuais daqui, era amigo do Pe. Oswaldo, Pe. Sadoc, do Paulo Aragão o pai do Renato Aragão, enfim amigo de todos esses escritores que residiam aqui no anos 1930 a 1940. meu avô escrevia no jornal daqui, o Correio da Semana, e foi uma grande felicidade eu passar por mais de 2 anos nesse jornal com uma coluna de poesia, esse que é o mais antigo jornal do Ceará em circulação, fundado em 1918.

Bom, mas eu sabia que no curso de Letras da Federal eu ia ter como professores: Moreira Campos, Artur Eduardo Benevides, Otacílio Colares, Sânzio de Azevedo, Carlos D'Alge, Linhares Filho, Horácio Dídimo. Então, eu fui pra Federal porque eu queria contato com estas pessoas que eu já admirava, que eu já lia os livros e prezava. E todos foram meus professores, como alguns também que eu não citei, enfim a elite literária do Ceará na época. Eu tive o prazer, o privilégio e a honra de ter sido aluno deles e de ter sido monitor de alguns deles. Como também o privilégio de conversar, bater papo com eles no bosque das letras que tem lá.

O Moreira eu gostava muito, com aquele paletó dele, parece que eu tô vendo, sempre fumando, muito magro, muito simples. Então, o Moreirinha, era assim que a gente o chamava, ficava sempre rodeado de alunos batendo papo. Tinha também o Pedro Paulo Montenegro, professor de Teoria da Literatura, ele era excepcional. era uma constelação de grandes intelectuais da literatura cearense. Foram 4 anos de felicidade que eu tive. E no latim eu tive o José Alves Fernandes, que era o “papa” do latim no Ceará. Fiz grego com o professor Rebolças Macambira, um dos maiores linguistas de todos os tempos do Brasil. Ele era poliglota, a aula dele era um espetáculo. Enfim, eu tive o prazer de estudar com essas pessoas maravilhosas.

Léo P – Como foi o lançamento do seu primeiro livro Poemas (1988)? Com certeza seu avô acompanhou.

Dimas Carvalho – Ele fazia uma poesia bem diferente da minha, uma poesia neo-parnasiana, neo-simbolista, muito rimada e com a métrica perfeita. Ele tinha um livro, que até eu não guardei, o Manual de versificação do Olavo Bilac, todo mundo tinha na época, que ensinava a técnica do verso. E a poesia do meu avô, que era um homem muito religioso, que era muito caridoso, ele doava todos os meses cestas com alimentos pras pessoas carentes, me lembro de mais ele fazendo isso. Ia pra Bela Cruz, município em que ele nasceu, e ele deixava lá com um parente nosso o João Bonfim, e ele está lá ainda com o mesmo comércio, ele deixava lá as sacolinhas de alimento com os nomes das pessoas.

Naquele tempo as coisas eram muito mais difíceis que hoje, tinha muita gente pedindo esmola nas ruas, Brasil estava em um patamas econômico bem abaixo que o de hoje, havia muita pobreza, ainda há, mas naquele tempo havia muito mais. No Acaraú, toda sexta-feira, as pessoas saiam pedindo esmolas e cada um tinha os seus mendigos e lá em casa nós tínhamos os nossos mendigos, toda sexta eles iam pra lá papai não estava em casa mas mamãe botava, lembro dela colocando farinha dentro de um saco de palha, que eles levavam.

Pois sim, a poesia do meu avô era muito mística, muito religiosa e que eu não tenho muito isso, e ele achava estranho. E nesse livro ele me ajudou também de maneira financeira, porque eu era estudante “liso” e saiu mimeografado porque eu não tinha dinheiro pra mandar pra uma gráfica e saiu barato muito precariamente, papel ruim, capa ruim muito feia, mas eu queria publicar. Eu tinha 24 anos na época e era inédito em livro. O livro inclusive é dedicado a ele. Inclusive fui enganado financeiramente, um sujeito ficou de publicar meu livro e não publicou, um cara que era funcionário da Universidade Federal do Ceará, faleceu a pouco tempo, não vou o nome porque não vem ao caso, ele era extremamente “velhaco” como se diz esperto, e eu era muito novo e ingenuo, e ele se aproveitou da minha ingenuidade e pegou meu dinheiro e gastou em outras coisas e não publicou o meu livro, tive que conseguir dinheiro de novo. Enfim, mas o livro saiu.

Léo P – E você pensa em republicar esse primeiro livro?

Dimas Carvalho – Léo, é tão difícil fazer primeira edição, imagine a segunda. Porque, pelo menos no meu caso, eu não tenho dinheiro, eu sou professor. E um livro hoje é cinco mil reais ou sete mil reais. Então, pra uma pessoa abastada de posses não é muita coisa, mas pra mim vale muito, desequilibra o meu orçamento. Claro que eu gostaria de reeditar os meus livros, quem não gostaria, até porque ele saiu só com trezentos exemplares. Eu gostaria de republicar meus seis livros de poemas, o sétimo está pronto mas não está ainda publicado, estou aguardando algum edital, ou concurso literário. Penso em fazer uma antologia dos meus poemas e contos, mas tudo isso esbarra nas condições financeiras. (…) e você publica e não tem retorno financeiro, não repercute, a crítica não se pronuncia, enfim, é muito complicado ser escritor no Brasil.