27 de junho de 2014

Perfil Poesia Brasileira, Adélia Prado - “o amor me fere é debaixo do braço”

"A poesia é um dado da natureza"
Adélia Prado

A trajetória da vida literária da Escritora e Poeta mineira Adélia Prado é uma constante ascensão, nascida no dia 13 de dezembro do ano de 1935, fez o magistério e atuou como professora durantes muitos anos de sua vida, carreira que deixou de lado devido as muitas exigências da vida literária. Também graduou-se em filosofia, na Faculdade de Ciência Filosofia e Letras de Divinópolis, juntamente com o seu marido.

Adélia se inscreve no mapa da poesia brasileira desde o lançamento do seu primeiro livro Bagagem, no ano de 1976. O lançamento teve boa recepção da crítica, merecendo citação do poeta Carlos Drummond de Andrade no Jornal do Brasil. Além de Drummond outro nome que apoiou e incentivou a escritora no inicio de sua carreira foi o também poeta Affonso Romano de Sant’Anna.

Escreveu prosa, foi adaptada para o teatro pela atriz brasileira Fernanda Montenegro, adentrou no mundo da literatura infantil, passou por um período de recolhimento, não publicando poesia durante alguns anos, lançou um livro recentemente Miserere, tem sido pauta de discussão na mídia e na acadêmia e foi agraciada com o The Griffin Trust for Excellence in Poetry Lifetime Recognition, importante prêmio canadense concedido para grandes nomes da literatura mundial.

Existe uma experiência religiosa na poesia de Adélia, religiosa no sentido que ela mesma defende, do belo que resgata o significado nos levando a um centro único perdido, talvez por isso a autora use de uma enorme força poética, há um grande “poder de palavra, e poder de silêncio” presente em seus poemas. É abrir os olhos e ser tragado para dentro de uma poesia que arranca dos eventos cotidianos a presença de algo tão poderoso e tão único que só pode ser Deus, ou o Belo ou o Nada.

A experiência com o cotidiano, o ser mulher dentro de todas perspectivas, o poético dentro do banal, a sexualidade feminina, o erótico, o divino, a experiência com Deus, a fé, a vida na família, Minas Gerais, esses são alguns dos temas recorrentes dentro da obra poética da Escritora.

Além da escrita literária, é preciso destacar o pensamento crítico construído por Adélia que infere sobre o que é a poesia, o por quê de ler poesia, o papel do poeta dentro da sociedade, a poesia como experiência religiosa, o ponto de interesse para se pensar arte e literatura. Para os leitores do LiteraturaBr, destacamos dois importante vídeos em que a autora aborda seu pensamento, vida e obra e selecionamos cinco poemas, em uma pequena tentativa de apresentar sua vasta e profunda obra vasta.

Vídeos:
No programa sempre um papo, Adélia fala sobre ser poeta e a importância do Poeta dentro da Sociedade

 

Adélia no Programa Roda vida

 
 
 
 

Poemas.
AMOR VIOLETA
O amor me fere é debaixo do braço,
de um vão entre as costelas.
Atinge meu coração é por esta via inclinada.
Eu ponho o amor no pilão com cinza
e grão de roxo e soco. Macero ele,
faço dele cataplasma
e ponho sobre a ferida.

POEMA COMEÇADO DO FIM
Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.

MANDALA
Minha ficção maior é Jonathan,
mas, como é poética, existe
e porque existe me mata
e me faz renascer a cada ciclo
de paixão e sonho

OBJETO DE AMAR
De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!

Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdôo, eu amo.

BRANCA DE NEVE

Caibo melhor no mundo
se me dou conta do que julgava impossível:
'Nem todo alemão conhece Mozart.'
Um óbvio, pois nem é preciso,
cada país tem seu universal
e basta um para nos entendermos.
Com os russos me sinto em casa,
não podem ver uma névoa,
uma aguinha, uma flor no capim
e param eternos minutos fazendo diminutivos.
Como o jagunço Riobaldo que sabe do mundo todo
e tem Minas Gerais na palma da sua mão.
Fico hiperbólica para chegar mais perto.
"Geração perversa, raça de víboras"
não é também um exagero do Cristo
para vazar sua raiva?
Escribas e fariseus o tiravam do sério.
Mas todos eles? Todos?
Cheiramos mal, a maioria,
e sofremos de medo, todos. O corpo quer existir,
dá alarmes constrangedores.
Me inclino aos apócrifos como quem cava tesouros.
É evangélico que trabalhem cantando
os anõezinhos da história.
No fundo todos queremos
conhecer biblicamente,
apesar de que os pés de página,
por mania de limpeza,
não é sempre que ajudam.
O verdadeiro é sujo,
destinadamente sujo.
Não são gentilezas as doçuras de Deus.
Se tivesse coragem, diria
o que em mim mesma produziria vergonha,
vários me odiariam,
feridos de constrangimento.
Graças a Deus sou medrosa,
o instinto de sobrevivência
me torna a língua gentil.
Aceito o elogio
de que demonstro 'tino escolhitivo'.
Pra quem me pede dou lista de filme bom.
Demoro a aprender
que a linha reta é puro desconforto.
Sou curva, mista e quebrada,
sou humana. Como o doido,
bato a cabeça só pra gozar a delícia
de ver a dor sumir quando sossego.
Pra quem me pede dou lista de filme bom.
Demoro a aprender
que a linha reta é puro desconforto.
Sou curva, mista e quebrada,
sou humana. Como o doido,
bato a cabeça só pra gozar a delícia
de ver a dor sumir quando sossego.