26 de maio de 2014

Entrevista com Madjer de Souza Pontes

Madjer, o seu primeiro livro, "o núcleo selvagem do dia", é um livro de poemas onde a forma se faz presente, através, principalmente, da rima. Isso é consequência da influência de algum outro escritor?

A rima é um recurso instigante, porém procuro desenvolver a rima dita toante, é um recurso que os poetas trovadores utilizavam, mas isso eu descobri depois de ler João Cabral de Melo Neto. Foi a partir da leitura do livro “Agrestes” que esse tipo de rima me cativou. N"o núcleo", a rima é mais um recurso para mostrar a intensidade das relações entre as palavras, do que criar uma uma harmonia.

Quer dizer, então, que há uma preocupação em como a palavra será percebida?

O núcleo selvagem é a palavra. Desde a epígrafe tive essa preocupação em indicar (sem obviedade) que é a palavra o ente selvagem da vida. E todos nós temos a relação mais íntima e incontrolável com ela. Acredito que escrever é justamente essa convivência, uma intimidade selvagem com aquilo que mais prezamos.

O livro é dividido em três partes. Percebe-se certa relação entre elas. Ao final, tive a sensação de ser um livro cíclico. Há uma preocupação com a estrutura do livro?

A organização do livro segue um roteiro que procurei desenvolver. Na verdade o livro é uma história, tentei realizar uma história cíclica em que a palavra é o elo entre as partes: a percepção de um raio espacial que é exterior ao ser (1ª parte: da totalidade das coisas); o envelhecimento do corpo, a morte, as marcas temporais perceptíveis direta ou indiretamente (2ª parte: da luz e seus avessos) e a percepção do tempo que se afirma tanto no ser quanto no espaço (3ª parte: suficiente ou demais). De certo modo, a minha percepção é o contato com o tempo: o tempo finito e o tempo cíclico, e é a palavra que possibilita unir todos esses elementos.

E como é essa sua convivência com o ato de escrever? Qual a importância dele na sua vida?

Como nós não podemos parar e, por um momento, medir a intensidade da vida, pois é apenas vivendo que sabemos o seu peso ou a sua leveza, creio que a relação com a escrita é semelhante. Ninguém é escritor vinte e quatro horas por dia, isso é ingenuidade e cairíamos em uma contemplação simplória. Somos observadores, e é justamente essa observação que devemos concentrar no ato da escrita, ou seja, não há autor que possa medir a intensidade de sua escrita, é no exercício constante com as palavras, que podemos sentir o quanto ela é importante e necessária.

Você acredita que os escritores contemporâneos, principalmente os poetas, estão preocupados com essa intensidade que a palavra pode obter?

Bem, o José Lins do Rego definiu bem isso, não acerca dos escritores contemporâneos, lógico, mas que cabe muito bem para qualquer época, ele disse mais ou menos isso: os grandes escritores têm uma língua, os medíocres a sua gramática. Não sei desde quando ou até onde visualizar a criação contemporânea, pois com três cliques nós podemos ler uma infinidade de poetas. O que escrevem é o mais importante, porém há autores que trabalham a vida inteira para dizer algo que vale à pena, e os que passam a vida inteira dizendo que o que escrevem deve ser lido.

Você poderia explicar um pouco melhor o final do seu comentário?

Que nós devemos olhar o texto, não a fama que o escritor busca a qualquer custo, acho que pensar a poesia contemporânea é isso, principalmente na época em que vivemos, onde se expõe a vida em busca da glória.

Até que ponto você acredita que a crítica literária é importante para o autor, a editora e o leitor? Você acha que estamos vivendo um momento de “apadrinhamento”, onde todos falam bem de todos, onde todos os escritores sabem escrever muito bem e que não merecem receber uma crítica negativa?

Aí entra mais uma pergunta: onde a crítica está sendo feita? A academia é uma questão que já está desgastada, apesar de os novos estudantes de Letras estarem mais abertos a discutir e analisar autores à margem dos muros, que não são tão altos, mas quase intransponíveis. Todavia, é difícil sair alguma coisa de lá. Lógico que há um apadrinhamento, veja a quantidade de sites, blogs, revistas, o diabo a quatro de canais que apresentam, discutem e colaboram para a divulgação de novos escritores. É velha analogia das faces da moeda: se por um lado a possibilidade de divulgação e reconhecimento desses autores é maior, e cria-se uma corrente de seguidores, "curtidores" e compartilhadores desses textos, por outro lado, há uma liberdade monstruosa do escrever-pelo-escrever. Eu, às vezes, me perco quando vou pesquisar novos textos, novos autores, há muita gente produzindo, e a palavra muito me assusta... Porém sei que há revistas e blogs de qualidade que realizam um trabalho responsável e reconhecido. A crítica negativa é um brinquedo frágil, na mão do que faz e na mão do que brinca... Como disse a Orides Fontela: "Quebrar o brinquedo / é mais divertido. / As peças são outros jogos / construiremos outro segredo".

Você falou em Orides Fontela que, ao lado ao lado de outros poetas, tem sido esquecida. Você, que além de autor, também é editor, como observa o cenário editorial brasileiro, uma vez que até as grandes editoras têm cautela no momento de publicar autores como a própria Orides, como Sousândrade, Pedro Kilkerry, entre outros?

José de Alencar, lá no século XIX, quase chorando, deu sua bênção aos "Sonhos D'ouro", quem leu o prefácio desse romance perceberá que sempre estivemos à mercê de uma torrente de obstáculos para afirmar nossas obras. Você falou em nomes importantes, que estiveram esquecidos durante muito tempo, poderíamos citar muitos outros, há o caso do Alphonsus de Guimaraens e do Lima Barreto, só para citar dois monstros da nossa Literatura! Novamente, veja os nomes que estão sendo citados aqui! E foram esquecidos! Porém, de uns anos pra cá, há um resgate de muitos nomes que marcaram a produção de sua época e estão sendo reeditados, Paulo Leminski, Ana Cristina César, Cacaso, Francisco Alvim, Affonso Ávila, entre várias antologias que resgatam e coligam produções muito interessantes. Agora, há outro movimento que está ganhando mais força a cada dia, o das editoras alternativas e independentes. É justamente esse movimento que, me parece, está enfrentando, de forma organizada, com um discurso bastante afinado, com produções de qualidade, as grandes editoras. Temos essa possibilidade hoje, que deve ser vista e respeitada como um processo vital para a produção e divulgação dos textos de novos escritores. Eu sou um exemplo desse movimento e me sinto honrado por fazer parte dele.

Você falou sobre as editoras independentes. Você acaba de publicar o seu primeiro livro e pela editora a qual você faz parte do corpo editorial, a Editora Substânsia. Você acredita, realmente, que as editoras independentes podem enfrentar os grandes conglomerados, tendo em vista o alto poder aquisitivo delas, e a dificuldade que as pequenas editoras enfrentam com as livrarias?

Se pensarmos que o poder aquisitivo tolherá a ação independente, demos por finalizado os projetos e brinquemos no balanço dos sonhos... Contudo, há muito exemplos que optaram pela ação, quase louca, quase desenfreada... mas é justamente aí que pulsa a nossa força! A Editora Patuá, do Eduardo Lacerda, é, pra mim, um dos propulsores dessa força. Há poetas lançados pela Patuá que concorreram e concorrem os mais importantes prêmios literários do Brasil! Isso mostra a força desses movimentos independentes. A Substânsia começa a dar seus primeiros passos, mas desde a ideia de realizarmos esse trabalho (Nathan Matos, Talles Azigon e eu) quase louco, quase desenfreado, observamos e sentimos que o prazer em realizar os nossos projetos é inestimável!

Voltando à escrita. Forma ou Substância, o que pesa mais mais na construção da sua poética ?

O poema é Forma. A Substância, poesia. Aprendamos com a forma e, parafraseando o Drummond, não percamos tempo em mentir.

Pra finalizar, uma obra e um autor.

A poesia de todos os tempos. Os poetas de todos os tempos.